sexta-feira, 22 de maio de 2009

A saga da capoeira em terras brasileiras




A saga da capoeira em terras brasileiras Da marginalidade ao Pan? Carlos Eugenio Líbano Soares Berimbau, roda, jogo: a palavra capoeira hoje, em qualquer parte do Brasil, remete a imagens familiares para a grande maioria das pessoas. Para algumas, um esporte autenticamente nacional; para outras, a memória de uma ancestralidade africana. Mas se mergulharmos no passado em busca das raízes da capoeira, o quadro antes tão nítido vai se tornando mais complexo.Dois séculos atrás, em vários pontos do Rio de Janeiro, grupos de africanos e crioulos se reuniam para disputar lutas simuladas, como a que foi eternizada pelo pintor Rugendas décadas depois. Os documentos policiais mostram que eles gostavam de demonstrar força nas grandes praças e nos largos, talvez como exibição de suas habilidades. Aparentemente, os senhores toleravam estas correrias de “capoeira” quando não ocorriam dentro do recinto doméstico.Capoeira era então o termo usado pelas autoridades policiais (mas não somente) para designar uma prática comum dos escravos da época, que envolvia golpes de habilidade marcial e uso de facas ou instrumentos cortantes. Tudo indica que suas origens remotas eram africanas, mas a inexistência de um uso exclusivo por determinado grupo étnico e a presença de crioulos (escravos negros nascidos no Brasil) entre seus adeptos demonstra que a prática foi gestada em terras brasileiras.A tarefa de conter a “capoeiragem”, que antes era incumbência dos quadrilheiros coloniais (grupos armados pela Câmara Municipal, que rondavam as quadras de noite), ficou em seguida com a polícia, a partir de sua criação, em 1808, após a chegada da Corte portuguesa.


Durante a época joanina (1808-1821), os “capoeiras” foram o inferno dos zeladores da ordem pública. Após a Independência, o imperador em pessoa chegou a encarregar a Guarda Real de controlar os “malfeitores”. Entretanto, por volta da metade do século XIX, a prática da capoeira ainda era um sério problema de segurança pública.No século XX, a luta sofreu uma metamorfose que alterou para sempre o seu destino. Grandes mestres, como Bimba e Pastinha, deram-lhe um perfil próximo do esporte, marca dos novos tempos. Hoje, há quem defenda sua entrada nos Jogos Olímpicos e Pan-Americanos, fato que provoca muita polêmica dentro e fora da própria capoeira. Alguns praticantes não aceitam a versão da capoeira como esporte, e têm receio do rígido controle internacional a que todo esporte olímpico é submetido, isto principalmente na capoeira angola. Outros, de fora da capoeira, afirmam que ela não tem regras fixas, e por isso não pode ser incluída como modalidade em competições internacionais. E não existe consenso sobre as próprias regras da capoeira nem mesmo entre aqueles que querem fazer dela um esporte olímpico.A esperança é que os novos caminhos trilhados pelos capoeiristas (que ficaram no lugar dos capoeiras) mantenham acesa a chama da memória desta prática ancestral.Carlos Eugenio Líbano Soares é professor de História da Universidade Federal da Bahia e autor de A capoeira escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro 1808-1850. Campinas: Unicamp/Cecult, 2004, e A Negregada Instituição: os capoeiras na Corte Imperial, 1850-1890. Rio de Janeiro: Access, 1998.

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